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domingo, 31 de agosto de 2014

Um Livro Estarrecedor

Eu pretendia reiniciar o blog com um texto leve sobre música. Mas tive que mudar de ideia ao terminar de ler o livro sobre o qual vou falar hoje. Eu não estava preparada para o que li.

Falo de Holocausto Brasileiro, livro reportagem de Daniela Arbex que conta a história do Colônia, o maior hospital psiquiátrico do Brasil, localizado em Barbacena, Minas Gerais. O relato me encheu de horror mas, sobretudo, me suscitou questionamentos sobre determinadas crenças que nós, brasileiros, temos sobre nós mesmos. Volto a esse tema ao final.

O Colônia foi fundado em 1903 e funciona até hoje, embora nos anos 90 tenha sofrido uma reformulação. Sua história de quase um século, entretanto, é a história do que pode ser talvez o maior e mais continuado crime contra os direitos humanos já cometido pelo Poder Público no Brasil, com a conivência de toda uma comunidade.

Pelo menos 60 mil (sim, eu disse SESSENTA MIL) pacientes morreram no local ao longo do seu funcionamento, a maioria por maus tratos. Muitos não tinham qualquer diagnóstico de doença mental, e iam para lá como meros dejetos da sociedade. Eles chegavam aos montes, num trem que ficou conhecido como “trem de doido”, réplica perfeita da Nau dos Insensatos relatada por Foucault. Eram moças que perdiam a virgindade antes do casamento, alcoólatras, homossexuais, mulheres confinadas por seus maridos para que eles pudessem casar com as amantes, gente que se envolvia em briga de bar, adolescentes estupradas por seus patrões.


"O exílio no hospital foi a forma que o patrão de Virginópolis (MG) encontrou de silenciar a menina que ele havia estuprado no período em que ela trabalhava em sua casa. Com então cinquenta e quatro anos, ele precisava esconder a gravidez da garota a qualquer custo, nem que, para isso, confiscasse, mais uma vez, a inocência dela.
(...)
Mesmo grávida, ela tomou seu primeiro eletrochoque, para “amansar”, disseram os guardas.
(...)
No domingo, sairia do Colônia levando o filho. Quando chegou, no entanto, percebeu algo de errado. (...) Angustiada, ela iniciou a procura pelo menino de três anos.

- Cadê meu filho? – perguntava Geralda a cada funcionária que encontrava pelo caminho.
- Não está mais aqui. Foi levado para longe – respondeu uma das freiras que acabava de chegar".

As condições em que viviam eram absolutamente desumanas. Num edifício projetado para receber 200 pessoas, chegaram a morar, ao mesmo tempo, mais de cinco mil. As camas foram retiradas para que o chão fosse coberto com capim e, assim, pudesse caber mais gente na hora de dormir. Os internos bebiam água do esgoto.
 
"Os homens vestiam uniformes esfarrapados, tinham as cabeças raspadas e pés descalços. Muitos, porém, estavam nus. Luiz Alfredo viu um deles se agachar e beber água do esgoto que jorrava sobre o pátio e inundava o chão do pavilhão feminino. Nas banheiras coletivas havia fezes e urina no lugar de água. Ainda no pátio, ele presenciou o momento em que carnes eram cortadas no chão".

Em seus piores momentos, o Colônia chegou a presenciar uma média de 16 mortes por dia, causadas por fome, doenças, maus tratos. Vários pacientes não resistiam aos eletrochoques. Havia também outras formas de tortura. Durante as noites geladas da serra mineira, internos eram colocados nus, ao relento no pátio, sem qualquer proteção. Instintivamente, colavam-se uns aos outros formando um círculo, e passavam a noite se alternando: os que estavam do lado de dentro iam para fora, e vice-versa, na tentativa de não morrerem congelados. Nem sempre funcionava.

A fome desumanizava. Em uma ocasião, uma das internas mais rebeldes (sem diagnóstico de doença mental) apanhou um pássaro no pátio e, na frente de todos, destroçou-o com os próprios dentes e o comeu.

Claro que todas essas mortes produziam um grande número de cadáveres aos quais era preciso dar alguma destinação. Começou, então, a venda ilegal de corpos para faculdades de medicina de todo o país, até o dia em que o mercado ficou saturado e a direção do hospital passou a dissolve-los numa banheira de ácido na frente dos internos. O lucro disso tudo, até hoje não se sabe para onde foi. Também não há notícia do que foi feito do dinheiro obtido com o trabalho de internos que eram obrigados a construir estradas e fazer outros serviços pesados.

Era muito, muito horror: crianças em berços deixadas para morrer, internas grávidas que passavam fezes nas próprias barrigas para protegerem a si e a seus filhos, doentes terminais sem qualquer assistência. Enfim, qualquer imagem do inferno poderia ser menos chocante do que a realidade do Colônia.
 
O psiquiatra italiano Franco Basaglia, ao visitar o local, resumiu suas impressões: “Estive hoje num campo de concentração nazista. Em nenhum lugar do mundo presenciei uma tragédia como essa”. Inúmeras denúncias foram feitas antes que as autoridades tomassem alguma atitude.

Isso me traz de volta ao que falei no início deste texto: o relato sobre o Colônia me fez questionar, não pela primeira vez, determinadas crenças que nós, brasileiros, temos sobre nós mesmos. Costumamos acreditar que somos um povo solidário, caloroso, cheio de compaixão e até mesmo caridoso. Então como uma tragédia de tal amplitude pôde acontecer durante tanto tempo numa pacata cidade do interior mineiro sem que houvesse um clamor popular para denunciá-la? Como uma cidade inteira convive com tamanho horror durante quase um século e nada faz? A comparação com o nazismo não é descabida. Na Alemanha da guerra as pessoas faziam vista grossa à fumaça dos fornos crematórios dos campos de concentração e seguiam suas vidas normalmente.

Isso ocorreu em Barbacena, mas poderia ter sido em qualquer outra cidade brasileira e o resultado seria o mesmo. É preciso questionar nossos conceitos, nossas crenças sobre quem somos, a fim de que desgraças como esta não voltem a ocorrer. É preciso saber dos fatos, para que não sejam jamais esquecidos.

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Golpe de Estado no Porto Solar

Porto Solar acaba de sofrer um golpe de Estado. Ele era para ser um blog coletivo, mas praticamente só quem postava era eu, e o coitado andava totalmente abandonado. Sem querer destruí-lo e achando que tem muito assunto interessante sobre o que se falar, resolvi tomar o poder e assumir eu mesma todas as postagens. Uhuuu!!!
 
Pretendo postar uma vez por semana, pra não encher a paciência de ninguém. Estou preparando a volta. Aguardem.
 
Beijocas!