Em uma comunidade semi-rural
do interior da Índia cresce o casal de gêmeos Rahel e Estha. Sua infância se
passa entre caldeirões de geleia e grãos de pimenta da fábrica de Mammachi, sua
avó cega: a Paraíso Picles & Polpas. A família, outrora rica e poderosa, é
agora só decadência, e tenta se manter com o pouco que restou da prosperidade
do passado. Rahel e Estha vivem num mundo entre o real e o imaginário, e têm
entre si uma ligação muito mais profunda do que a de quaisquer outros irmãos.
“Naqueles
primeiros anos amorfos, em que a memória tinha apenas começado, em que a vida
era cheia de Começos e sem Fins, e Tudo era Para Sempre, Esthappen e Rahel
pensavam em si mesmos juntos como Eu, e separadamente, individualmente, como
Nós. Como se fossem uma rara espécie de gêmeos siameses, fisicamente separados,
mas com identidades conjuntas.
Hoje,
tantos anos depois, Rahel tem lembrança de acordar uma noite rindo do sonho
engraçado de Estha”.
Tudo na família e no velho
casarão rescende a nostalgia e fracasso. A mãe, a carinhosa Ammu, soube que sua
vida tinha terminado no dia em que se divorciou do marido. As tradições da
Índia não têm espaço para mulheres divorciadas. Como também não o têm para as
que não casam, como Baby Kochamma, a tia-avó amarga e venenosa que se dedica a
infligir sofrimento e dor a todos em sua volta. E mesmo o querido tio Chacko
guarda lá no fundo a dor da perda da única filha, Sophie Mol, fruto do tempo vivido
na Inglaterra e do casamento com a única mulher que realmente amou. Há também
os fantasmas das glórias não vividas do passado, como o avô que foi
entomologista imperial e sofreu a injustiça de não ter reconhecida uma nova
espécie de mariposa descoberta por ele.
A imaginação dos gêmeos, na
plena inocência dos sete anos de idade, cria universos cheios de mistérios que
os apartam da vida cotidiana. Até o dia em que, devido a um acontecimento
terrível, Estha é devolvido ao pai e separado de Rahel. Eles (e todos os outros membros da família, cada um a seu modo) descobrem, assim,
que a vida pode mudar – para pior – de uma hora para outra e assumir rumos
inesperados.
A separação, para os gêmeos,
é devastadora. Estha para de falar e se tranca num mundo particular. Rahel
cresce vazia e alheia ao que acontece ao seu redor. Para complicar mais ainda a
situação, a mãe se apaixona por um pária, um homem sem casta. Na rigidamente
escalonada sociedade indiana isso é quase como não ser gente. O reencontro só
acontece 23 anos depois, mas então todos já são pessoas diferentes e é preciso
muito esforço para reconstruir os laços e lidar com as experiências de vida de
cada um.
O Deus das Pequenas coisas
foi o livro de estreia da indiana Arundhati Roy e foi traduzido para 18 países, além de ganhar o Booker Prize, prêmio britânico de literatura. Nada mau. O
livro não prende logo desde o começo. Confesso que em vários momentos achei-o um
pouco monótono, mas aos poucos ele vai ganhando mais e mais força e, ao final, é
arrebatador.
O micro-universo da família
de Rahel e Estha reflete o macro-universo da sociedade indiana, com suas
hipocrisias, seus preconceitos, sua rigidez. Uma sociedade baseada em tradições
congeladas no tempo, onde não há espaço para o indivíduo e nem para conceitos
como felicidade e realização pessoal. Mas no fim fica aquela sensação de que amor,
sabedoria, compreensão do mundo - enfim, as pequenas coisas - são tudo o que
realmente importa nessa vida.